domingo, 28 de setembro de 2008

Indisciplina e violência na escola: causas e perspectivas de intervenção

Muitos investigadores em educação consideram que a indisciplina e a violência na escola têm aumentado de forma acentuada e indiferenciada. Este fenómeno apresenta contornos multifacetados e deriva de múltiplas causas, portanto, obriga a uma reflexão profunda e pluridisciplinar. A complexidade desta realidade sócio-cultural tem interferências nocivas no processo de ensino-aprendizagem, com consequências trágicas para o sucesso da «escola eficaz», pelo que, suscita interrogações e requer o debate e a discussão com o envolvimento de todos os agentes educativos interessados na formação do cidadão que vai viver numa sociedade verdadeiramente justa, democrática e solidária.
Quais as causas da indisciplina e da violência escolar? Que principais aspectos devem ser considerados na gestão da disciplina na escola e na sala de aula? Que estratégias concretas devem os professores utilizar para lidar com a indisciplina e a violência escolar?
Para tentar responder a estas e outras questões, professores, pedagogos, sociólogos, psicólogos, psiquiatras, pediatras, jornalistas, políticos, agentes da polícia e muitos outros cidadãos, num ambiente de importante partilha de opiniões, têm participado em congressos, conferências e outras reuniões, na expectativa de uma melhor compreensão desta problemática para que sejam implementadas medidas baseadas em estratégias concebidas numa perspectiva de aproveitamento de sinergias oriundas de várias correntes científicas e filosóficas.
A reflexão sobre este tema, parecendo- -me plenamente justificada, no pressuposto de que existe relação entre indisciplina e violência, tem os seguintes objectivos: (1) referir as principais causas da violência escolar e identificar contextos que condicionam a disciplina/indisciplina na escola e na sala de aula; (2) divulgar opiniões e resultados de estudos internacionais importantes para uma melhor percepção da dimensão do problema; (3) apresentar uma perspectiva de intervenção comunicacional que auxilie professores e educadores na prevenção e resolução da indisciplina e da violência escolar e recomendações gerais úteis para a gestão da disciplina na sala de aula.
Face aos objectivos definidos, consultei estudos divulgados na IV Conferência Mundial sobre “Violência na Escola e Políticas Públicas”, organizada pela Universidade Técnica de Lisboa (2008), intervenções apresentadas no XI Colóquio organizado pela Universidade de Lisboa (2001) no âmbito da Association Francophone Internationale de Recherche Scientifique en Education (AFIRSE), resultados do “Relatório das Audiências Públicas sobre a Violência das Escolas” realizado pela Comissão Sul-Africana dos Direitos Humanos (SAHRC), opiniões de Eric Debarbieux (professor da Universidade de Bordéus e presidente do Observatório Internacional da Violência Escolar) e de Feliciano Veiga (investigador em educação e professor da Universidade de Lisboa).
Em relação aos conceitos de “indisciplina”, de “violência” e de “bullying”, por serem termos polissémicos e como irei utilizar nesta reflexão, penso ser importante explicitar os seus significados. Segundo Veiga (2007), por “indisciplina” entende-se a transgressão das normas escolares que prejudicam as condições de aprendizagem, o ambiente de ensino ou relacionamento das pessoas na escola (o conceito não é estático, sofre mutações, em função do contexto sócio-cultural). O termo “bullying” (palavra inglesa que não tem uma tradução directa para o português) é atribuído ao significado de agressão em contexto escolar. A “violência” é definida como o “recurso à força para atingir o outro na sua integridade física e/ou psicológica” (Fischer, 1999, citado por Veiga, 2007).Ora bem, definidos os aspectos ligados à significação dos termos, para melhor se perceber o “problema”, também faz todo o sentido identificar as principais causas e os contextos relacionados com esta problemática, porquanto, sem este conhecimento, não é possível eliminar a indisciplina e a violência escolar.
Para a maioria dos estudiosos, as causas da indisciplina relacionam-se com problemas familiares ou psicológicos, aspectos sócio- -culturais, questões de estruturação escolar, métodos pedagógicos inadequados do professor, etc., isto é, como referi, a indisciplina para além de ter causas múltiplas, sofre transformações que decorrem dos diferentes contextos. Fernandes (2001), numa comunicação apresentada no XI Colóquio da AFIRSE, apresentou vinte e três causas (algumas delas muito polémicas e contundentes) para explicar o aumento da violência escolar.
Em virtude de serem em número elevado, irei mencionar apenas algumas delas, a saber: (1) o alastramento de diversas formas de exclusão social, agravadas pela globalização neoliberal, designadamente, o aumento da toxicodependência, da prostituição e as crescentes dificuldades dos jovens em arranjar emprego; (2) o insuficiente patrulhamento policial junto às escolas; (3) a impunidade que goza a classe política, em relação ao incumprimento das promessas eleitorais e à não responsabilização pelas consequências dos actos cometidos no exercício do poder político; (4) os maus exemplos éticos transmitidos aos jovens através da impunidade que, em regra, usufruem os poderosos (a nível económico e a nível político) quando cometem crimes económicos, quer se trate de corrupção e/ou de evasão fiscal); (5) a violência nos programas de televisão; (6) a violência familiar agravada por factores de exclusão social; (7) as deficientes condições das escolas (elevado número de alunos por turma e outros aspectos); (8) o paradigma educacional dominante que, praticamente, se limita à transmissão de conhecimentos atomizados e compartimentados por disciplina; (9) a deterioração da imagem social do professor; (10) as elevadas taxas de insucesso escolar; (11) a falta de perspectivas de vida futura para os jovens; (12) as normas disciplinares dentro de cada escola são ambíguas e as exigências disciplinares variam muito de professor para professor, etc.
Admitindo como válido este “inventário” de causas da indisciplina e violência escolar que acabei de referir, com relativa facilidade seria possível identificar os principais contextos onde os alunos estão habitualmente inseridos e actuar em conformidade. O mesmo autor (Fernandes, 2001), afirma que a disciplina/indisciplina na sala de aula é consequência da interacção entre cinco contextos: (1) contexto familiar; (2) contexto societal; (3) contexto mediático; (4) contexto escola; e (5) contexto relacional professor. Esta última dimensão, por “deformação” académica e profissional, terá uma atenção especial no final desta reflexão. Entretanto, tal como me propus, gostaria de divulgar alguns resultados de estudos internacionais que ajudam a ilustrar a dimensão do problema (não a explicação do fenómeno) e que podem servir de incentivo para investigações nacionais.
Em primeiro lugar, de acordo com uma pesquisa sobre opiniões de professores da responsabilidade de Kikkawa (1987), citado por Veiga (2007), revela que os “comportamentos agressivos” existem na maior parte das escolas e a indisciplina parece ser menor nos grupos do sexo feminino. Vejamos, então, o que se passa em alguns países. Um estudo realizado pela comissão da África do Sul dos direitos humanos que originou o “Relatório das Audiências Públicas sobre a Violência nas Escolas”, a partir de um inquérito aplicado pela SAHRC, constatou que uma em cada quatro crianças sul- -africanas afirmou ter sofrido ocorrências de violência na escola.
Numa investigação realizada em conjunto por Portugal e Espanha divulgada na IV Conferência Mundial sobre Violência Escolar e Políticas Públicas realizada a partir de um questionário a 1233 crianças entre os sete e os 13 anos de oito escolas de Lisboa e de Sevilha demonstrou a existência de “bullying”, porque cerca de 18 por cento das crianças inquiridas eram agredidas com frequência e 42 por cento foram vítimas de pelo menos um ou dois comportamentos agressivos.
Em Inglaterra, no que diz respeito ao “bullying”, Whitney (1992), citado por Veiga (2007), numa investigação junto de crianças e jovens, verificou-se que 14 por cento dos alunos do 1º ciclo e 37 por cento dos alunos do 2º e 3º ciclos afirmaram ter sido objecto de agressão por parte dos colegas. Nos EUA, os resultados de estudos efectuados mostram valores muito mais alarmantes. Hoover (1992), citado por Veiga (2007), refere que 81 por cento dos rapazes e 72 por cento das raparigas (principalmente agressão verbal) declararam ter sido vítimas de agressão. Ainda com objectivos informativos, terminaria para realçar que em vários países os alunos também têm sido vítimas de violência física e/ou psicológica por parte dos professores, acontecendo igualmente o inverso, porque a indisciplina e a violência são causadoras da principal causa do “stress” dos docentes.
Por Azancot de Menezes (in Jornal de Angola)

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