domingo, 16 de novembro de 2008

Educar para cidadania

No plano curricular do ensino regular angolano existe uma disciplina denominada “Educação Moral e Cívica”. O facto de (ainda) não existir um programa de formação de professores de nível pós-graduado na área da formação pessoal e social, a utilização indistinta das expressões “formação cívica” e “educação para a cidadania” e a lógica abusiva da disciplina específica (educação moral e cívica, educação sexual, etc.) para a abordagem destes assuntos, constituem algumas das razões que me levam a reflectir em torno deste tema.
Apesar de não ser meu objectivo referir a evolução histórica e problematizar em torno do conceito de cidadania, por razões essencialmente pedagógicas, começarei por fazer algumas considerações introdutórias de âmbito histórico e conceptual.É pacífico definir pelo menos dois períodos na evolução do conceito de cidadania.
O primeiro na Grécia, por altura do século IV a.C., e o segundo depois da revolução francesa em 1789. Na Grécia vigorava um paradigma que tinha um carisma essencialmente político, valorizava muito as virtudes cívicas e era fundamentalmente baseado em obrigações e não em direitos. Neste período, o estatuto de desigualdade era aceite, pois, as mulheres e os escravos não tinham o estatuto de cidadão. No império Romano, a sociedade fazia discriminações e separavam-se as pessoas. Existiam os romanos e os estrangeiros, as pessoas livres e os escravos, sendo que estes últimos não eram considerados cidadãos. Os únicos cidadãos eram os nobres e os plebeus, mas, apenas os primeiros podiam exercer cargos políticos.
Mas foi essencialmente com a Revolução Francesa em 1789 que começaram a surgir os conceitos como democracia, igualdade e fraternidade. Grande parte dos países seguiu o exemplo de França. Nesta altura percebe-se que o conceito de cidadania tem o seu primeiro desenvolvimento, com uma outra preocupação: a igualdade entre pessoas, a igualdade de participação no poder político, a igualdade perante a lei e a emancipação feminina. Estas breves considerações sobre a perspectiva histórica do conceito de cidadania permitem perceber que o mesmo tem vindo a sofrer alterações, um pouco em função das evoluções e dos contextos sociais, políticos e económicos.
Assim, neste pressuposto, caminhando em direcção ao cerne do problema, colocam-se as seguintes questões: o que significa cidadania? O que é a educação para a cidadania? Qual a diferença entre “formação cívica” e “educação para a cidadania”? Ao consultar-se um dicionário de língua portuguesa da Porto Editora pode ler-se: “cidadania s.f. qualidade de cidadão; vínculo jurídico-político que, traduzindo a pertinência de um indivíduo a um Estado, o constitui, perante esse Estado, num conjunto de direitos e obrigações a essa condição” (p. 357).
A palavra cidadania é considerada por Beltrão e Nascimento (2000) como a “pertença (envolve a noção central de comunidade) e a participação (implica um sentido abstracto de lealdade, de ligação a um conceito de Estado, de Ordem Social) nas actividades da comunidade ou dos grupos de comunidades”. O Conselho Nacional da Educação português (1999) define educação para a cidadania como sendo “a aprendizagem e a aquisição de atitudes e competências que capacitem os indivíduos, qualquer que seja a sua idade e condição, apetrechando-os com os instrumentos indispensáveis ao desenvolvimento pessoal, à inserção social e à participação activa no mundo a que pertencem”. A
Conferência Permanente dos Ministros da Educação do Conselho da Europa, citada por Monteiro (2001), preconiza uma abordagem global e integrada para as políticas e práticas, avançando com uma definição de educação para a cidadania democrática explicitada em oito pontos: (1) tem por base os princípios fundamentais dos direitos do homem, da democracia e do primado do Direito; (2) faz particularmente referência aos direitos e responsabilidades, ao compromisso, à participação e à pertença, assim como ao respeito da diversidade; (3) engloba todas as idades e todas as partes da sociedade; (4) visa dar aos jovens e aos adultos os meios de tomar parte activa numa sociedade democrática e consolidar assim a cultura democrática; (5) concorre para combater a violência, a xenofobia, o racismo, o nacionalismo agressivo e a intolerância; (6) contribui para a coesão social, para a justiça social e para o bem comum; (7) reforça a sociedade civil, graças a cidadãos avisados, bem informados e democraticamente competentes; (8) deve ser diferenciada segundo os contextos nacionais, sociais, culturais e históricos.A Conferência defende que a educação para a cidadania democrática deve ser encarada de forma pluridimensional, pelo que, adaptando ao caso angolano, deveria revestir-se de uma “dimensão política” (participação no processo democrático de decisão e no exercício do direito político), uma “dimensão jurídica” (conhecimento e aplicação dos direitos e responsabilidades dos cidadãos), uma “dimensão cultural” (consciência e respeito da pessoa humana, dos valores democráticos fundamentais, assim como da história e do património comum e variado, contributo para as relações interculturais pacíficas), uma “dimensão social e económica” (luta contra a pobreza e a marginalização, tomada em conta de novas formas de trabalho e de desenvolvimento comunitário e o papel da economia para desenvolver uma sociedade democrática), uma “dimensão africana” (despertar para a cultura africana na sua unicidade e diversidade e necessidade de aprender a viver num contexto africano) e uma “dimensão planetária” (percepção e promoção da interdependência e da solidariedade mundial). Apresentadas estas orientações definidoras de “cidadania” e de “educação para a cidadania”, devemos questionarmo-nos. Devem as escolas ensinar valores? Que valores fundamentais devem ser seleccionados para trabalhar a cidadania? Antes de tentar responder a estas questões, convém realçar que é habitual confundir-se “formação cívica” e “educação para a cidadania”.
Na verdade são expressões com diferentes significados. Enquanto a “formação cívica” se relaciona com o conhecimento que advém do civismo, a “educação para a cidadania” remete para as experiências e vivências. O Conselho da Europa define formação cívica como sendo a “transmissão/aquisição num quadro educativo formal, do conhecimento, das capacidades e dos valores que governam o funcionamento, a todos os níveis de uma sociedade democrática” e a educação para a cidadania como “o conjunto de práticas e actividades cuja finalidade é tornar os jovens e adultos melhor preparados para participar activamente na vida democrática, através da assunção e do exercício dos seus direitos e responsabilidades sociais”.No que diz respeito ao ensino de valores, comecemos por questionar, o que são valores? Valor vem do latim «valore» e significa aquilo que vale alguma coisa e tem merecimento.
Obviamente, daqui se infere que existe uma enorme subjectividade, havendo escalas de valores. Platão considerava o bem como o valor supremo, Aristóteles premiava a felicidade, o amor e o belo. Enfim, não sendo meu propósito problematizar em demasia em relação à significação do conceito de valor, irei optar pelo paradigma defendido pelos axiólogos construtivistas, uma vez que estes defendem que os valores dependem dos lugares e das épocas. Assim, vou considerar a seguinte definição: “os valores são critérios ou juízos que estão presentes na sociedade e que orientam as normas, atitudes, opiniões e condutas das pessoas. Representam o fundamento das normas pelas quais a sociedade se rege, e sobretudo, a base a partir da qual os diferentes grupos sociais aceitam ou rejeitam determinadas atitudes e comportamentos” (www.educare.net/htm).
Ora, daqui se depreende que os valores têm uma natureza social, não são fixos, pelo contrário, são sujeitos a um processo de mudança tanto social, como pessoal, ou seja, os valores aprendem-se, modificam-se e variam ao longo da vida de cada um. Esta constatação permite afirmar que “nenhuma forma de educação é neutra ou independente de valores, portanto, desde que não seja através da doutrinação, a escola deve ensinar valores” (Beltrão e Nascimento, 2000). Note-se que, o facto de os valores serem heterogéneos, isso não impede que não se possa seleccionar um conjunto de valores fundamentais aceites por todos os grupos culturais. Por exemplo, parece-me pacífico admitir que a justiça, a solidariedade, o respeito pelo outro, o diálogo, a aceitação da diversidade, para citar apenas alguns casos, são valores aceites em todo o mundo.
Estes valores são os que estão na base da Declaração Universal dos Direitos do Homem, documento que inspirou as constituições de todos os países, portanto, podem e devem ser conteúdos obrigatórios na área da educação para a cidadania.Identificados os valores para trabalhar a cidadania, pergunta-se, como se faz a educação para a cidadania? Responder a esta questão significa tentar identificar que conteúdos e que metodologias devem reger a educação para a cidadania. Como a cidadania significa a integração do indivíduo no espaço político e na sociedade (justa, livre e solidária), faz todo o sentido integrar conteúdos ligados “aos valores que fundamentam as regras da democracia participativa e ao aspecto instrumental da cidadania, isto é, ligada ao conjunto de instrumentos e de mecanismos que permitem concretizar as regras da democracia” (Fonseca, 2001). Aqui incluem-se competências intelectuais (aprender a defender pontos de vista, etc.), competências sociais (o respeito pelo outro, assumir responsabilidades, etc.), portanto, uma educação direccionada para a defesa da carta universal dos direitos do homem.
Neste aspecto, apesar de admitir que a disciplina de Educação Moral e Cívica tem algum significado, sou apologista de que todos os professores, independentemente de leccionarem matemática, geografia, ou outra disciplina, através das práticas pedagógicas, podem e devem ser envolvidos no processo de formação do “aluno-cidadão”, daí que, defendo que os programas de formação de professores devem ser concebidos numa perspectiva pluridimensional, com conteúdos que incluam as componentes sociológica, pedagógica e psicológica, de modo a tornarem-no um profissional competente e apto para responder com eficácia às expectativas da escola plural e inclusiva. Obviamente, não poderia concluir sem fazer referir um último aspecto, para a implementação da educação para a cidadania na escola tem que haver um Projecto Educativo de Escola, um Regulamento Interno e um Plano Anual de Actividades. A importância do Projecto Educativo de Escola explica-se porque este documento reflecte a filosofia pedagógica da escola e traça as estratégias gerais de actuação, é uma espécie de constituição da escola. O Regulamento Interno define o modo de funcionamento da escola (as regras durante as assembleias, as interacções entre todos os agentes educativos, as normas de convivência, etc.) e o Plano Anual de Actividades apresenta a vantagem de permitir que todos os agentes educativos possam proceder à avaliação do plano e introduzir as necessárias correcções face aos objectivos traçados. Termino esta reflexão com uma frase muito interessante de um Pastor citado por Monteiro (2001). “Primeiro vieram procurar os judeus e não protestei porque não sou judeu”. Depois, vieram procurar os comunistas e não protestei porque não sou comunista. A seguir, vieram procurar os sindicalistas e não protestei porque não estou sindicalizado.Mas, quando vieram procurar-me ninguém protestou porque não havia mais ninguém”.

In Jornal de Angola (Por Azancot de Menezes)

Baixa da Banheira - Professora teme pela sua segurança após agressão de aluno

Uma professora foi agredida durante uma aula na Escola Secundária da Baixa da Banheira. O caso aconteceu no final de Outubro, mas só agora é conhecido.

A professora em causa, que pede para não ser identificada, interveio para terminar uma discussão entre dois alunos dentro da sala de aula. Um deles acabou por agredir a professora e um funcionário da escola, primeiro verbalmente e depois com vários pontapés.
O agressor, um aluno de 19 anos de idade, foi suspenso durante cinco dias, mas já regressou às aulas. A professora teme pela sua segurança. A Escola Secundária da Baixa da Banheira já pediu à Direcção Regional de Educação a transferência do aluno para outro estabelecimento de ensino, mas, em duas semanas, ainda não se conhece a decisão da DREL.
A professora pede que, nestes casos, as decisões sejam tomadas com maior rapidez.A docente, que lecciona naquela escola há mais de 20 anos, queixa-se ainda da perda de autoridade dos professores, e da incompreensão dos encarregados de educação.A Renascença tentou saber junto da DREL em que ponto está o pedido de transferência de escola do aluno agressor, mas a Direcção Regional de Educação ainda não respondeu.

In Rádio Renascença (João Pedro Vitória)

Pais, professores e escolas unidos na crítica aos incidentes de Fafe

Pais, professores e escolas condenaram hoje a actuação de cerca de 250 alunos de uma escola secundária de Fafe que terça-feira vaiaram a ministra da Educação e atiraram ovos à sua viatura.

Em declarações à Lusa, o presidente do Conselho das Escolas, Álvaro Almeida dos Santos, repudiou o incidente, que classificou como "muito desagradável", apelando "à serenidade" de todos os agentes educativos.

"Para o bom-nome da Educação e das escolas, é necessário que, nesta fase, todos os diferentes interessados efectuem um esforço de devolver um ambiente de serenidade e de respeito pelas pessoas e pelas instituições", afirmou.

Da mesma forma, também o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap) apelou "à serenidade e à calma nas escolas", considerando que encarregados de educação, estudantes e docentes "têm todos de pugnar pelo diálogo".

"Todas as manifestações que envolvam alunos e possam configurar agressões físicas ou verbais a pessoas, quem quer que sejam, e nomeadamente a um responsável do Governo, devem ser cabalmente banidas", disse à Lusa Albino Almeida.

O presidente da Confap considerou ainda que os estudantes têm razões para protestar contra o estatuto do aluno e a forma como está a ser regulamentado em muitos estabelecimentos de ensino, mas sublinhou que a sua participação não deve ser feita através de manifestações de rua, mas nos órgãos próprios das escolas, onde têm assento.

Os incidentes que envolveram terça-feira a ministra Maria de Lurdes Rodrigues, que foi forçada a desistir de presidir a uma cerimónia de entrega de diplomas em Fafe devido à actuação dos alunos, também não foram indiferentes aos sindicatos de professores.

O secretário-geral da Federação Nacional dos Sindicatos da Educação (FNE), João Dias da Silva, reprovou os acontecimentos, condenando "todas as atitudes insultuosas e de violência" que afirmou nada terem a ver com uma contestação democrática.

Também o secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), Mário Nogueira, sublinhou que "há regras democráticas que têm de ser tidas em conta em qualquer protesto", manifestando o seu desacordo relativamente à actuação dos alunos envolvidos.

"Não concordo, obviamente. Mas é um sinal de que a ministra é, neste momento, uma pessoa desautorizada na Educação e até mesmo perante o país", afirmou o dirigente da Fenprof.
in Jornal de Notícias (12 de Novembro de 2008)