sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O que vale a agressão de um professor?

Director da Secundária Garcia de Orta, no Porto, foi afastado e suspenso da actividade lectiva, por ter agredido um aluno de 13 anos no seu gabinete. Sanções inéditas no nosso país. Há muito que o castigo corporal deixou de ser um procedimento de carácter pedagógico. O que fazer em casos de indisciplina e falta de respeito?

As sanções nunca antes tinham sido aplicadas no nosso país pela Inspecção-Geral de Educação (IGE). O director da Escola Secundária Garcia de Orta, no Porto, foi afastado do cargo e suspenso da actividade lectiva por, segundo testemunharam dois docentes, ter agredido um aluno do 8.º ano de escolaridade, de 13 anos, dentro do seu gabinete. As medidas foram aplicadas após duas queixas e um processo disciplinar instaurado pela Direcção Regional de Educação do Norte (DREN).

A história foi contada pelo jornal Público. Segundo o diário, o director da secundária portuense negou as agressões, mas dois professores da escola garantiram ter assistido aos factos constantes na "acusação". Tudo indica que o aluno terá sido chamado ao gabinete da Direcção, depois de o responsável máximo do estabelecimento de ensino ter escutado da sua boca "esta escola é uma merda", na altura em que passava pelo exterior de uma sala de aula onde decorriam actividades lectivas. Segundo um docente, que na altura se encontrava no gabinete, o director encostou o estudante à parede, apertando-lhe os testículos.

Os gritos alertaram uma professora que saiu da sala ao lado e se dirigiu ao gabinete, acabando por presenciar a situação. Desde esse dia, 19 de Abril de 2010, o aluno nunca mais voltou àquela escola. Neste momento, a Direcção da escola é assumida pela actual subdirectora. As sanções aplicadas têm efeitos imediatos, o director pode, no entanto, recorrer da decisão da IGE. Pode ainda pronunciar-se sobre o sucedido e recorrer da decisão de suspensão da actividade lectiva. Mas se as penas se mantiverem, o professor fica impedido de se recandidatar ao lugar de director de qualquer escola do país. Contactada pelo EDUCARE.PT, a Direcção da Garcia de Orta não quis prestar declarações sobre o assunto. Ao Público, o director afastado também não falou sobre o caso. "Não estou disponível para falar de questões que são do foro privado. Lamento, mas não me vou pronunciar sobre o assunto", disse.

Mais do que esmiuçar os detalhes da história, o importante é reflectir sobre as novas realidades que entraram nos recintos escolares. Quais os graus de exigência, como lidar com situações de indisciplina e falta de respeito. Catarina Agante, psicóloga do serviço de Psicologia e Orientação do Agrupamento de Miragaia, debruça-se sobre essas exigências que a escola actual comporta para todos os agentes educativos. Todos os que se envolvem na promoção do sucesso do percurso escolar dos alunos. Na sua opinião, a nova escola, de que tanto se fala, está direccionada para os alunos "numa aproximação de interesse, de conteúdos programáticos e de estratégias que se estruturam numa orientação pedagógica de autonomia e diferenciação".

"Claramente que este não é o registo de alguns docentes que se estruturaram numa escola de distância pedagógica entre alunos e docentes, de espaços diferenciados e de inexistência de processos de crítica ou questionamento. Deste gap surge, muitas vezes, a comunicação disfuncional e o conflito", aponta. Por isso, há que ter em atenção uma série de factores. Para Catarina Agante, é muito importante olhar para a escola como um espaço dialéctico de transmissão de conhecimento. Num processo em que os agentes educativos são, sublinha, "os actores que fazem o interface comunicacional com os alunos, agora elementos que fazem uma busca activa, questionam e confrontam, mas são fruto do esforço de não conformidade social que tão bem lhes temos ensinado a ter".

Questionar e reivindicar surgem então como formas de linguagem e atitudes expectáveis dos estudantes nessa escola em que o medir forças, entre o poder instituído e o percurso pessoal, também faz parte do quotidiano. "Não concebo esta interacção como específica do contexto escolar, mas antes uma condicionante social que impôs um novo discurso de manifestação social", refere.

A escola reproduz as interacções sociais, as dificuldades de comunicação intergeracional, o questionar da autoridade, as desigualdades. "O discurso de quem se encontra ao lado de quem quer crescer será o da tolerância e responsabilidade em ser coerente nos limites de respeito pela liberdade de quem sou e dos outros", sustenta a psicóloga. "Esta nova escola despojada de alunos e repleta de seres em construção, críticos e atentos, parece-me ser o que queríamos em termos de formação pessoa e social, os seres atípicos formam sociedades sem diferenciação e tolerância", acrescenta.

Novas realidades que exigem respostas permanentes e ajustadas. "O esforço convergente será de pensar o conhecimento como uma forma de comunicação e os alunos como actores em igualdade de circunstâncias neste plateau educativo. Passamos com eles grande parte do seu processo de crescimento e, por isso, esta aproximação é essencial para que se encontrem caminhos de conhecimento", defende.

Paulo Guinote, professor e autor do blogue "A educação do meu umbigo", não conhece todos os detalhes do caso, nomeadamente as circunstâncias atenuantes ou agravantes do comportamento do director da escola Garcia de Orta. "Pelo que é público, este é um caso de desproporção e despropósito do castigo imediato aplicado ao prevaricador", comenta. Na sua opinião, a indisciplina e a falta de civismo nas escolas devem ser combatidas de "forma sistémica". "Desde logo não adoptando a atitude desculpabilizadora que há duas décadas tem sido o apanágio da tutela neste particular, ao desgastar progressivamente a imagem pública dos professores e da própria escola", afirma.

Para Guinote, a "indisciplina é combatida com regras claras e práticas coerentes, continuadas e não com excessos momentâneos". O docente compreende perfeitamente a perda de calma perante "comportamentos indesculpáveis", que devem ser combatidos firmemente, mas, em seu entender, "nunca - e caso se prove ser verdade - apertando os testículos de um aluno". "A imposição da disciplina, podendo ser 'musculada' num sentido figurado, não o deve ser desta forma, a ponto de fazer o disciplinador perder a razão", conclui.

Por Sara R. Oliveira (in http://www.educare.pt/)

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