domingo, 17 de maio de 2009

Exposição de crianças na TV preocupa psicólogos

Especialistas alertam para a necessidade de proteger as pequenas estrelas do lado negro da fama: a perda de privacidade e o assédio.
Manuel tem quase 10 mil contactos na rede social hi5 e mais de mil pedidos de amizade por responder. "Recebe cerca de 400 mensagens por dia", conta a mãe do rapaz de 15 anos, Felisbela Correia. A sua popularidade é o resultado da participação no concurso Uma Canção para Ti, o programa mais visto da televisão portuguesa. Mas esta exposição também tem um lado negro, alertam os especialistas, que vêem com apreensão a participação de crianças nestes concursos.
"A participação num programa desta envergadura tanto pode constituir uma experiência extremamente positiva como extremamente traumática, mas é certamente um acontecimento que muda a vida da criança", diz a pedopsiquiatra Paula Vilariça.

Para a especialista, o problema não é o concurso, ou a competição em si, porque as crianças estão habituadas a competir - na escola, no desporto, e com os amigos. Mas "quando se trata de um dos programas mais vistos no País o impacto na vida das crianças é enorme", salienta. Um impacto que não se mede pelos minutos em que os jovens aparecem na televisão, mas pelo interesse que se gera na escola, no bairro e nos meios do comunicação em geral.

O grande risco é entrar "pelo caminho da criação de meninos vedeta", acrescenta a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos. "É um problema que está muito estudado. Deixa-se que aquele dom que eles têm passe a ser o mais importante". Ou seja, aquela experiência e a preocupação com agradar aos pais e ao júri acaba por roubar-lhes espaço para desenvolverem a sua própria identidade, explica a especialista.

"Os miúdos são transformados em estrelas e podem não ter bagagem emocional para lidar com isso", lembra Paula Vilariça, questionando se os pais estarão preparados para lidar com o turbilhão que isto representa.

A mãe de Manuel admite que não estava. "Já tinha o caso do meu marido e da minha filha, que participaram noutro programa, e sei que prometem mundos e fundos e depois fica tudo em águas de bacalhau. Expliquei-lhe que quando acaba o programa acaba tudo. Mas não esperava que as revistas falassem acerca de crianças como falam de adultos", diz. Assim, as negativas de Manuel na escola, as dificuldades da família, a amizade com uma colega de programa - tudo já foi discutido na praça pública.

Por isso, para Ana Vasconcelos, os pais devem avaliar se os filhos vão lucrar com a participação, se é bom para a família, e certificarem-se que não é mais importante para eles do que para as crianças: "Pode ser bom para o narcisismo dos pais e para quem trabalha na televisão, mas ser mau para os miúdos", diz. "A família tem de funcionar como rede de suporte para proteger as crianças dos excessos emocionais: dos momentos de euforia, tensão, angústia, stress", acrescenta Paula Vilariça.

Mas para os jurados do programa, muitas vezes os pais são parte do problema. "Às vezes é mais complicado gerir as expectativas dos adultos do que das crianças e isso acaba por pôr mais pressão nos miúdos", explica Helena Vieira, cantora lírica. Para Luís Jardim, produtor de música e outro dos jurados, os pais têm a obrigação de proteger os filhos e às vezes fazem o contrário. "Às vezes são as próprias famílias que vão para os jornais expor a vida das crianças", acusa. Mesmo assim, não tem dúvidas que é "uma experiência bestial para os miúdos". "Pode ser assustador, podem ficar desapontados quando perdem mas tudo isso é importante e faz parte da aprendizagem para a vida", diz.

O psicólogo Manuel Coutinho concorda e cita o exemplo de crianças estrelas que se tornaram adultos de sucesso (ver caixa). O que faz a diferença é o apoio dos pais, considera. "Desde que o horário seja adequado à idade e que a sua imagem seja preservada não vejo problemas", conclui. Uma opinião que não reúne consenso. "Há colegas que são completamente contra mas acho que é preciso não embarcar em fundamentalismos e proteger as crianças ao máximo", conclui Ana Vasconcelos. No entanto, para Paula Vilariça, talvez a melhor forma de os pais resguardarem as crianças seja mesmo não as inscreverem.
Por Patrícia Jesus in Diário de Notícias